Minhas Mudanças

A maior parte das minhas adaptações foram possíveis com alguém me ensinando de forma bem lógica. Mas algumas coisas aprendi sozinha, observando e me interessando pelo comportamento neurotípico a ponto de se tornar meu objeto de estudos incansáveis.
A minha maior dificuldade sempre esteve relacionada ao comportamento e ao modo de se comunicar das pessoas e o porquê do meu comportamento lhes irritar tanto a ponto de se afastarem de mim.

A seguir, descrevo todas as adaptações que me lembro.

Olhar nos olhos:
Me lembro bem o quanto o fato de eu não olhar nos olhos das pessoas enquanto falavam comigo, as irritava. Aprendi na adolescência que esse ato é de extrema importância para o sucesso da comunicação entre duas pessoas. Nunca entendi o porquê disso, afinal, ouço com os ouvidos e olhar nos olhos me desconcentra e me faz perder o assunto.
Mas, já que é tão importante e eu quero tanto me comunicar, comecei treinando no espelho, e fui desenvolvendo um jeito de me fixar na pessoa, lhe dar a atenção que ela quer, sem ter que olhar nos seus olhos diretamente. O que eu faço: olho na direção da boca e ao redor do seu rosto, nas bordas. Apenas passo pelos olhos de vez em quando e também intercalo com algumas olhadas para outro lugar, mas bem rapidamente para que a pessoa não ache que estou alheia. Me deu um trabalhão desenvolver isso e me acostumar, mas deu muito certo. Ninguém nunca mais reclamou de falta de atenção da minha parte. Mas até hoje não consigo olhar nos olhos diretamente por dois segundos consecutivos.

Aparência:
Nunca fui muito ligada em roupas e aparência em geral. Me vestia desalinhadamente, meu cabelo era um horror, a postura medonha. 
Quando entrei para a faculdade, já bem adulta, aprendi a importância de se vestir bem, de ter um cabelo bem cuidado e passei a me cuidar mais. Quando estávamos começando a atender pacientes na clínica, uma professora que parece gostar de mim, me falou sobre eu me vestir melhor para dar boa impressão aos "olheiros" que vão nos assistir para recomendar estágios. E descobri além disso, que estar arrumada ajuda na auto-estima e me deixa um pouco mais segura para lidar com professores, coordenadores, pessoal de estágio, pacientes e os outros alunos. O mundo acadêmico me intimida e preciso me usar de tudo o que possa me ajudar a me sentir mais adequada nesse meio. Estar bem cuidada ajuda bastante.

Sorrir:
Entre as expressões faciais, o sorriso, sem dúvidas, parece ser o mais importante de todos. Aprendi que simplesmente sorrir para as pessoas, mesmo as que você não conhece, pode ser uma forma de comunicação. Mas isso foi difícil, muito difícil de entender e de fazer. Primeiro sorri para os mais próximos de mim e depois para outros. Me lembro do dia em que estava no supermercado e tinha uma senhora com o carrinho atravessado no corredor que eu precisava passar. Sorri para ela e ela entendeu que era para tirar o carrinho, sem que eu falasse nada e ainda me sorriu de volta. Aquilo me pareceu mágica. Como os neurotípicos são cheios de nuances na sua comunicação. Desde então me interessei em aprender mais sobre expressões e consegui entender e fazer melhor. O espelho foi um grande aliado.

Expressões faciais gerais:
Minha falta de expressão me fazia parecer uma lunática e eu nem percebia isso. Quando o interesse por expressões surgiu, eu passava horas assistindo filmes e prestando muita atenção nos personagens e nos momentos que se expressavam e como faziam. Foi um estudo particular e foi um dos meus temas de interesse durante boa parte da adolescência e que me ajudou a me aprimorar.

Discurso e entonação:
Eu não fazia muitos gestos e, quando falava, era de forma direta e monótona.
Com o tempo e a ajuda da minha meio-irmã, aprendi que não posso falar o que me vem na cabeça, que preciso ponderar o que vou falar para não magoar as pessoas, muito embora elas sempre me magoassem.
Não posso dizer que fiquei perita nisso, pois até hoje falo algumas coisas que chateiam as pessoas porque não percebo, mas costumo me policiar mais.
Acontece, as vezes, de pessoas estarem conversando sobre algum assunto que domino (do meu círculo de interesses), e  eu entrar no assunto com muita necessidade de expor o que sei com convicção. Falo com tanta propriedade que chego a irritar as pessoas que me acham pedante. Ao invés de conseguir admiração, afasto as pessoas, por isso tenho tentado evitar isso.
Aprendi também a dar mais entonação na voz, imitando as pessoas. A voz pode ser melodiosa, como os instrumentos musicais que sempre me fascinaram. Aprendi também a gostar de cantar.